Li, há dias, o seguinte: «O turismo como instrumento para a compreensão mútua e o desenvolvimento sustentado está no centro do projecto universitário de cariz internacional “O Valor dos Direitos Humanos no Caminho de Santiago: Alicerçando o Poder do Turismo na Promoção do Diálogo Intercultural e na Obtenção do Desenvolvimento Sustentado”. Durante cinco dias [de 17 a 22 de Março de 2018], alunos de várias áreas do saber e oriundos de [quase] vinte estabelecimentos universitários de treze países caminharão 100 km em diferentes ‘percursos’ do Caminho de Santiago pondo, assim, em prática os princípios do turismo sustentado que aprenderam.».
Assim, «o projecto, organizado pela Organização Mundial de Turismo [OMT] em colaboração com a Rede Universitária Helsínquia Espanha [Helsinki España University Network] e pelo Grupo Universitário de Santiago de Compostela [Compostela Group of Universities]», conta com a participação de 110 alunos vindos de 19 universidades localizadas em 13 países de todo o mundo: do Sudão, de Espanha, da Dinamarca, do Luxemburgo, da Holanda, da Bélgica, da Polónia, do Montenegro, de Portugal (a única ‘representante’ do país é a Universidade do Minho), de França, dos Estados Unidos da América, do Peru e do México.
Na verdade, é este o número de universidades participantes: uma do Sudão, cinco de Espanha, uma da Dinamarca, uma do Luxemburgo, uma da Holanda, uma da Bélgica, uma da Polónia, uma do Montenegro, uma de Portugal, pois, uma de França, três dos Estados Unidos da América, uma do Peru e também uma do México.
Ora, num momento em que tanto se fala de turismo em Portugal (e, muitas vezes, com palavras tão belas…) e da importância deste para as ‘contas’ do país e para o emprego penso ser francamente lamentável que um projecto deste tipo – organizado pela própria OMT – não tenha merecido um maior envolvimento institucional por parte de universidades (e outras instituições) portuguesas.
Note-se que o percurso português dos Caminhos de Santiago é um dos que mais tem crescido ao nível do número de participantes/ ‘caminhantes’.
Eu também já o percorri parcialmente.
Está enunciada a minha crítica.
Pretendo, todavia, aproveitar esta temática espiritual, por assim dizer, para ensaiar algumas linhas mais.
Efectivamente, escreveu o antropólogo e escritor José Antonio Jáuregui no seu Dios Hoy (publicado em 1992) que a família humana se diferenciava de todas as outras famílias animais por ser uma comunidade teológica.
Existem actualmente, de facto, em todo o mundo, cerca de seiscentas confissões religiosas.
E com ‘raízes’ mais ou menos profundas no tempo.
Poucos dias depois de se terem assinalado cinco anos da eleição do Papa Francisco como chefe supremo da Igreja Católica Apostólica Romana e de mais de um mês ter passado da Semana Mundial da Harmonia Inter-Religiosa promovida pela Aliança das Civilizações (da Organização das Nações Unidas), reproduzo um texto que escrevi sobre São Francisco Xavier e que o jornal O Clarim (semanário católico de Macau) publicou em Março de 2016.
«Numa altura em que se sentem por todo o mundo as ondas de choque provocadas pela intolerância religiosa – ou alimentadas por ela… – é importante relembrar o papel de São Francisco Xavier no diálogo entre pessoas com culturas e visões de Deus e do mundo completamente diferentes. E de como a sua aproximação não é, de todo, impossível. Francisco Xavier nasceu no ano de 1506 no Castelo de Xavier, em Navarra, reino ibérico (mais tarde pertencente a Espanha). Celebram-se, por isso, em 2016, 510 anos do seu nascimento. Oriundo de uma família abastada pôde, pois, estudar na Universidade de Paris e, depois, em Veneza. Tinha frequentado, ainda na capital francesa, o Colégio de Santa Bárbara e aqui conheceu, entre outros, Inácio de Loyola. No contexto da Reforma proposta pelo alemão Martinho Lutero e de uma certa crise identitária da Igreja Católica provocada pela ascensão do Protestantismo, decidem fundar a Companhia de Jesus. O monarca português de então, D. João III, propôs-lhes que continuassem a sua luta de afirmação espiritual da fé cristã no Oriente. Depois de anuir, o padre Francisco Xavier chegou a Lisboa em 1540 e aí permaneceu cerca de um ano, trabalhando no Hospital Real de Todos os Santos. Começou em Goa, na Índia, em 1542, o seu “périplo” como grande apóstolo do Oriente tendo sido uma espécie de representante do Papa. Estabelecendo-se no Colégio de São Paulo (nele se educavam jovens vindos de muitas partes do Oriente: por exemplo, um discurso por ocasião da abertura de um ano lectivo chegou a ser traduzido em trinta idiomas…), deu, então, início à sua missão de evangelização. Após abandonar Goa percorreu o litoral indiano até ao extremo meridional do País, chegando até Malaca e às Molucas e a muitas ilhas da região chegando, depois, ao Japão. Aí voltou a empenhar-se na difusão da Doutrina Cristã: não é sem razão que, ainda hoje, no Japão, se refere ao período de tempo que medeia a segunda metade do século XVI e a primeira metade do século XVII como o século cristão, nem que, por exemplo, segundo me explicou, há um par de anos, Maho Kinoshita, da embaixada portuguesa em Tóquio, se encontre na cidade de Nobeoka (na ilha de Kyushu) um bairro chamado Mushika (“Música”, em Português), em virtude de Otomo Sorin, daimyo (chefe local) convertido ao Cristianismo, que viveu no século XVI, assim o ter nomeado, pois uma igreja cristã da região ensinava melodias e músicas europeias. O Cristianismo acabou, no entanto, por ser declarado uma fé “non grata”, tendo sido mesmo acusado de heresia um conjunto de missionários franciscanos e, em consequência, crucificados. Foram, também, posteriormente, martirizadas centenas ou, até, milhares de pessoas que tinham já abraçado a religião cristã. Os missionários jesuítas acabariam por ser expulsos do País – e da povoação de pescadores doada à Companhia de Jesus em 1580, Nagasaki – em 1614. O padre Francisco Xavier, esse, tinha já falecido em 1552 na China. Foi beatificado em 1605 pelo Papa Paulo V e, depois, canonizado em 1622 por Gregório XV. Mais do que terminar esta breve evocação de São Francisco Xavier reafirmando a sua pertença à Companhia de Jesus ou a sua figura enquanto personalidade cimeira da expansão da cultura europeia no mundo (pois que não tendo nascido em terras portuguesas esteve ao serviço de uma causa encabeçada por portugueses), importará vincar a sua luta pela convivência de todos em paz e fraternidade e, também, pela supremacia do espiritualismo sobre o materialismo.
Ou seja, um verdadeiro espírito ecuménico.».
Não tenho quaisquer dúvidas de que se todos, na Religião e na Vida, tivessem hoje um espírito tão aberto e ‘arejado’ como o de São Francisco Xavier o mundo estaria, certamente, muitíssimo melhor do que está…