Opto, numa altura em que já se aproxima do fim a edição de 2018 do Festival ao Largo, por aqui publicar um texto que escrevi há cerca de quatro anos a propósito, exactamente, deste festival (e não só).
«Foi na passada noite de 16 de Julho que a Orquestra Chinesa de Macau actuou em Lisboa no âmbito da 6ª edição do “Festival ao Largo”, junto ao Teatro Nacional de São Carlos.
Esta exibição contou, a partir de certo momento, com a participação da fadista Maria Ana Bobone e de alguns músicos portugueses.
Tratou-se, quer na ‘fase’ instrumental quer na de voz, por assim dizer, de um momento, seguramente, mágico para muitos daqueles que tiveram a felicidade de poder acompanhar esta participação.
Foi, nas palavras do apresentador do espectáculo, (mais) um instante de um encontro miscigenado e, acrescento, de simbiose cultural entre representantes de dois povos – o português e o chinês – que se conhecem (ou desconhecem…) há cinco séculos e em que não faltaram, até, diversas passagens, junto a este cenário de lazer (e de prazer), dos tradicionais eléctricos deslocando-se para o coração de Lisboa e que emprestaram, assim, um ponto mais de encanto àquela quente noite de Verão.
Importará, no entanto, recordar que um jornalista do jornal Xin Jing Bao, de Pequim, destacou, na sequência de uma visita a Portugal em meados de 2013, que este é, aos olhos dos chineses, um país familiar mas, também, desconhecido e que o embaixador da República Popular da China em Portugal, Huang Songfu, garantiu, num colóquio que teve lugar, há algumas semanas, na Assembleia da República, em Lisboa, que a cadeia pública de televisão da China (a CCTV) iria enviar ‘equipas’ a Portugal, ainda em 2014, para filmar documentários com o intuito de ali serem exibidos.
Desconhecimento que não é, de todo, apanágio exclusivo dos chineses já que para a grande maioria dos portugueses a China não passa de um país longínquo e exótico.
Acrescente-se que se assinalaram, no ano que passou, cinco séculos do início das relações entre Portugal e a China.
De entre as várias iniciativas que, de parte a parte, têm contribuído, nos últimos meses, por exemplo, para aproximar os povos dos dois países e, assim, abalar e erradicar estereótipos e imagens que se foram criando e instalando, poderei relembrar quatro, para além daquela a que se já aludiu.
A primeira foi uma “exibição artística da Universidade de Estudos Internacionais de Xangai” que teve lugar em Lisboa em finais de Novembro passado. Tratou-se de um espectáculo de artes chinesas constituído por danças de diversas regiões e etnias (existem 56 etnias na China), música folclórica, artes marciais, “ópera de Pequim”, combinando a cultura e as artes tradicionais chinesas com estilos e com abordagens contemporâneas de estudantes universitários chineses.
Ainda na esteira artística, a segunda – que se realizou no mês de Maio – foi da responsabilidade da delegação cultural e artística do Instituto Politécnico de Macau e teve como ‘protagonistas’ estudantes do instituto. Tendo passado por Coimbra, por Leiria e por Lisboa, o programa do espectáculo foi preenchido com apresentações de trechos musicais originários do Oriente mas, também, do Ocidente, por declamações poéticas (de poemas de autores portugueses) e por movimentos de kung fu.
Da terceira iniciativa, igualmente no âmbito da academia e da cultura, não há (ainda, pelo menos) registo de movimentações artísticas como as anteriores: a Universidade de Zengzhou (capital da província chinesa de Henan) e o Instituto Politécnico do Porto rubricaram, também já em 2014, um protocolo de colaboração que prevê um intercâmbio do conhecimento científico que pretende ‘estender’ a língua e a cultura portuguesas ao império do meio – até porque, dentro de alguns anos, serão os chineses, depois daqueles que vivem nos países lusófonos, quem mais falará a língua de Camões – bem como a língua e a cultura chinesas a Portugal.
A quarta e última iniciativa abordada remete ainda para o ‘campo’ cultural e artístico, sim, mas com um cunho comercial: no início de Junho, o cartaz do festival internacional de guitarra de Santo Tirso contou, entre outros, com a actuação do Beijing Guitar Duo.
Certo de que será, talvez, estranho citar uma expressão do poeta russo Aleksandr Blok – “Ah, se conhecêsseis, meus filhos, o frio e as trevas dos dias que hão-de vir!” – dela me aproprio para, noutro contexto, mostrar que acredito que, ao contrário do significado da pretérita frase, as relações culturais entre os povos português e chinês se afigurarão, cada vez mais, imbuídas de prosperidade e de luminosidade: parece que, meio milénio depois de os portugueses terem chegado à China, estão a ser solidificadas as bases culturais para que Portugal e a China deixem de ser, apenas, ‘dois velhos desconhecidos’.
Mais vale tarde do que nunca.».