A luta continua...
«A Ilustração parece ser arte amável, mais dada à metáfora e à erudição, a reboque de outras artes, sem gritar ou conspirar na rua. O trabalho duro parece sobrar para os parentes de mau feitio congénito, como o cartune e a caricatura. E no entanto, ao longo dos tempos, muita revolução, muita luta, mesmo surda ou cínica, contra ismos e tiranos, se forjou também na ilustração de livros, cartazes e jornais, militante de causas e sonhos. A ilustração, mais solta do olho da censura que o desenho de humor, fez-se cúmplice e motor de futuros adiados. A mostra passeia-se por 140 anos deste pedaço das artes visuais portuguesas, em síntese manifestamente fragmentária. Acompanha o afiado realismo literário oitocentista à volta dos deserdados da fortuna, grita o insuportável contraste social dos anos vinte e passeia-se pelo sofrido Alentejo do lirismo neorrealista. Acompanha o Estado Novo com corrosivas radiografias ao regime em decomposição e o neorrealismo tardio que se arrasta até aos anos setenta. Por estes anos encarniça-se contra a moral burguesa, prega a libertinagem sexual e engaja-se ingenuamente nas utopias igualitárias que Abril nos deu. Testemunha nas décadas seguintes a desilusão pelas revoluções falhadas e vinga-se em zombarias ao establishment político e artístico, parodiando a já estafada iconografia oficial das esquerdas, acabando os noventa em corrosivos retratos do capitalismo de charuto e cartola. E continua este novo século com empenhados franco-atiradores de tinta e photoshop, em individualismos e coletivos de qualidade cívica que se batem por novas causas como a igualdade de género e a cidadania militante, aproveitando o éter digital e teimando em empurrar o mundo pr’á frente, que a estupidez e a injustiça humanas, tal como a ilustração, são eternas.».
Ou infinitas…
São estas as palavras (escritas por Jorge Silva) que iniciam a ‘viagem’ pela exposição “A luta continua! 140 anos de Ilustração Portuguesa” que está patente na Casa da Cerca, em Almada.
Recomendo, na verdade, no ano que se comemora o Património Cultural presente na Europa – e se recorda e assinala (espero) a sua imensa importância –, uma visita muito atenta a este magnífico espaço de Almada com séculos de história para contar seja sob o pretexto de ver esta ou outra qualquer exposição.