Macau
A saída da administração portuguesa de Macau, em 20 de Dezembro de 1999, arrastou consigo centenas e centenas de funcionários: muitos foram os portugueses que haviam crescido, estudado, trabalhado, feito amigos e, até, tido filhos em Macau que tiveram que regressar a Portugal.
No entanto, ainda antes dessa data, o futuro chefe do executivo da Região Administrativa Especial de Macau, Edmund Ho Hau Wa, havia garantido que a presença portuguesa seria uma parte fundamental da identidade do território.
Por isso, garantiu, não seria apagada do espírito nem do coração das mulheres e dos homens pois que até o desenvolvimento económico de Macau dela estava, em parte, dependente.
Macau era, efectivamente, diferente de todos os outros locais, quer na China quer, enfim, na região do chamado Extremo Oriente.
Caberia aos portugueses, aos que nunca saíram de Macau, aos que, tendo saído, regressaram e àqueles que o ‘escolheram’ para passar parte das suas vidas, a todos eles, serem como que embaixadores de Portugal.
E ajudar a defender, não com armas ou com estratégias belicistas, mas através da sua afirmação na sociedade de Macau, o património, material e imaterial, que Portugal aí tinha deixado, aproveitando o interesse chinês (independentemente da sua motivação) em mantê-lo.
Bastará ler alguns documentos e fazer alguma pesquisa na Internet para se perceber que a chamada “herança portuguesa” de Macau tem sido, ao longo de quase dezassete anos, acarinhada, protegida e apoiada pelas autoridades políticas de Macau e de Pequim não sendo admissível, estou convicto, omitir o papel da comunidade portuguesa de Macau na visibilidade social que esse património alcançou, em Macau e, porventura, no resto da China e na região.
Por exemplo, um dos princípios estatutários que orientou a fundação, em 2001, da Casa de Portugal em Macau foi a promoção e o incremento dos laços de cooperação com Portugal, com a União Europeia, com os países de língua portuguesa e com a República Popular da China, como forma de fomentar a interculturalidade entre os povos.
Ora, têm sido, desde então, em número abundante, os portugueses, representando diversas áreas da cena cultural como a música, a escrita ou a pintura, idos até Macau para participarem em concertos, em ‘lançamento’ de livros (ou eventos literários) e exposições de arte.
Ou, mesmo, provenientes de outras regiões da Lusofonia como África (Angola) ou a América do Sul (o Brasil).
Outro exemplo pode ser dado pela Escola de Artes e Ofícios da Casa de Portugal que tem, igualmente, um grupo de artes performativas que actua em diversos eventos organizados por instituições de Macau.
Não esquecendo, também, que a oficina de cerâmica da mesma escola tem, hoje, alunos que, na sua imensa maioria, têm uma origem étnica chinesa ou, até, japonesa.
Por tudo isto, não me é possível concordar com a descrição com que, não raras vezes, me tenho deparado: «Macau é um gigantesco casino!».
Aceitando que o jogo tem, em Macau, uma forte presença económica e social e que, assim, condiciona, em maior ou menor grau, o panorama cultural e desportivo que se viveu e vive, no território, não restringe a realização das actividades que referi (e, certamente, de muitas outras).
Antes pelo contrário, fomenta-as1.
Assim, não será, talvez, estranho, aceitar e compreender um “desabafo” que ouvi, há alguns meses, de um português a viver em Macau: «ser português, na China, é um privilégio».
Assumindo – às vezes com mágoa… – que milhares de quilómetros me separam de Macau, acredito que o pequeno território do rio das Pérolas é uma “viagem” que nunca acabará.
1 As concessionárias de jogo em Macau estão sujeitas a impostos directos de 35% sobre os lucros obtidos.
Estão, ainda, obrigadas a contribuir, anualmente, com 3% dessas receitas que reverterão para a promoção turística, o desenvolvimento urbanístico e o sistema de segurança social do território.
E estão, também, obrigadas a pagar o equivalente a 2% dos referidos lucros que beneficiarão, por sua vez, uma fundação pública que se dedique à promoção do estudo e posterior desenvolvimento de acções de âmbito social, económico, cultural, educativo, académico, científico e filantrópico.
Assim, quase metade dos ganhos obtidos pelos casinos servem, indirectamente, a população de Macau.